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Estamos prontos para a mediação?

Vivemos em uma sociedade onde, diante de qualquer desentendimento, a primeira reação costuma ser buscar a intervenção de terceiros — muitas vezes, o sistema judiciário. Essa abordagem imediata ao litígio me levou a refletir: será que realmente estamos preparados para lidar com os conflitos de maneira diferente? Será que conseguimos, como sociedade, encarar os desacordos como oportunidades de diálogo e crescimento mútuo?

Essa reflexão me conduziu à mediação, não apenas como um método alternativo de resolução de conflitos, mas como uma proposta de transformação na forma como nos relacionamos e enfrentamos as divergências. Mas, para além da técnica, a mediação propõe um novo modelo de convivência — e talvez isso seja justamente o que nos desafia tanto.

Por que é tão difícil, para nós, brasileiros, confiar em soluções construídas a muitas mãos? Por que preferimos o veredito do juiz ao convite ao diálogo?

Nossa cultura tem raízes profundas em uma lógica de autoridade externa. Crescemos ouvindo que “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. A história nos moldou com estruturas de poder verticalizadas — no lar, na escola, nas empresas e no Estado. O conflito, nesse cenário, nunca foi visto como um espaço de criação ou escuta, mas como algo a ser apagado, punido ou vencido.

Além disso, convivemos com o mito da vantagem: a crença, enraizada no imaginário coletivo, de que “quem não chora, não mama”, ou que “esperto é quem leva vantagem”. A mediação, por outro lado, exige o oposto disso — ceder, escutar, considerar o outro. E para muitos, isso soa como fraqueza.

Essa distorção leva a uma visão equivocada: a de que mediação é território para quem está em desvantagem, para quem “não tem força” para impor sua vontade. E aí mora um grande paradoxo. A verdadeira força, na mediação, não está em vencer, mas em sustentar o desconforto do diálogo, em sustentar o próprio ponto de vista sem fechar os ouvidos para o ponto de vista do outro.

Acredito que, para estarmos verdadeiramente prontos para a mediação, precisamos começar por uma mudança interna. Essa mudança não é fácil — ela nos exige uma revisão da forma como lidamos com nossas próprias frustrações, com o ego ferido, com o desejo de controle. É necessário cultivar habilidades que não aprendemos na escola: empatia, escuta ativa, comunicação não-violenta, presença.

Mas também precisamos de um movimento coletivo, institucional e político. Não basta que apenas alguns “iluminados” pratiquem a escuta e o diálogo. A mediação precisa estar nas escolas, desde a infância, ensinando crianças a nomear sentimentos e a resolver seus próprios impasses. Precisa estar nos ambientes de trabalho, como uma política organizacional. Precisa ser valorizada pelo Estado, não como alternativa barata à Justiça tradicional, mas como ferramenta legítima de acesso à paz social.

Já testemunhei transformações profundas acontecerem em processos de mediação. Conflitos familiares, disputas empresariais, brigas entre vizinhos. Quando há espaço seguro, quando há escuta de verdade, algo muda. Às vezes não se chega a um acordo imediato, mas há uma reconexão humana. E isso, por si só, já é revolucionário.

Portanto, a resposta à pergunta “estamos prontos para a mediação?” talvez seja: ainda não — mas podemos estar. Se quisermos. Se estivermos dispostos a olhar para dentro, a repensar nossas crenças, a reconstruir nossa cultura relacional.

A mediação não é apenas uma técnica. É um convite. Um convite à maturidade emocional, à responsabilidade compartilhada, à construção de uma nova forma de viver junto. E aceitar esse convite pode ser o primeiro passo para um novo tipo de sociedade — mais justa, mais humana, mais consciente.

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Danilo Miguel
Gestor e mediador de conflitos, professor, palestrante, psicanalista e empreendedor. Diretor do Instituto Mediar, atua na formação de mediadores e na construção de diálogos transformadores. Acredita que mediar é mais do que resolver conflitos - é um chamado para humanizar relações e restaurar conexões.

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