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Como mediar conflitos em tempos de polarização política?

Nos últimos anos, tenho visto algo que, ao mesmo tempo, preocupa e reforça a relevância do trabalho que fazemos como mediadores: a crescente polarização política não está apenas nos jornais ou nas redes sociais. Ela está nos almoços de família, nas reuniões de equipe, nos grupos de WhatsApp, nas rodas de conversa e, inevitavelmente, chega também à sala de mediação.

E o que fazemos quando ela chega?

A primeira tentação — natural e até compreensível — é tentar afastá-la, ignorá-la ou suprimi-la. Mas a polarização, como toda tensão humana, carrega algo que precisa ser escutado. Não se trata de abrir espaço para discursos ideológicos ou debates partidários dentro da mediação, mas de reconhecer que, por trás de cada posição aparentemente rígida, há medos, valores, histórias, identidades. E, mais do que isso, há seres humanos.

Como mediador, eu não estou ali para resolver disputas políticas. Estou ali para facilitar diálogos entre pessoas que, por algum motivo, se desconectaram. Meu trabalho é criar um campo onde seja possível, ao menos por um instante, baixar as defesas e abrir espaço para algo novo surgir — mesmo quando as partes entram carregando bandeiras opostas.

Mas isso exige algo fundamental: competência técnica e maturidade emocional. Não é possível sustentar um espaço de mediação nesses contextos apenas com boa vontade. É preciso saber conter, acolher e conduzir.

Primeiro, contenção. A mediação não é um palco para convencer ninguém a mudar de ideologia. É um processo com foco claro: resolver um impasse específico. Manter esse foco exige habilidade para delimitar escopo, para lembrar as partes — com firmeza e delicadeza — que estamos aqui por um motivo comum e concreto. Quando percebo que a conversa está se desviando para generalizações políticas, trago de volta a pergunta: “O que exatamente estamos tentando resolver aqui, juntos?”

Depois, acolhimento. A escuta ativa não é técnica decorativa; é ferramenta de transformação. Quando escutamos verdadeiramente alguém — inclusive nas suas falas mais difíceis — algo muda. Talvez não a opinião, mas a relação com o outro. É nesse ponto que a escuta se torna política no sentido mais nobre da palavra: ela abre espaço para a convivência em meio às diferenças.

E, por fim, condução. Mediar é guiar. Conduzir o processo de modo que as pessoas deixem de se ver como adversárias e passem a se perceber como parceiras momentâneas na busca por uma solução. Isso exige que o mediador sustente a neutralidade ativa — não a indiferença, mas a escolha consciente de não tomar partido. Não porque não tenhamos opiniões pessoais, mas porque, dentro da mediação, o nosso compromisso é com o diálogo, não com o debate.

Já vi mediações em que dois colegas, completamente opostos em termos ideológicos, conseguiram construir juntos uma solução eficaz para um problema que os afetava no dia a dia. E isso não porque mudaram de opinião, mas porque foram convidados a olhar para o que havia em comum: a necessidade de trabalhar em paz, de se respeitarem, de serem ouvidos. Às vezes, é só isso que precisamos para começar.

É claro que nem todo caso requer um acompanhamento prolongado ou ações estruturantes. Muitas vezes, a mediação cumpre seu papel ali mesmo, em poucas horas, com clareza e leveza. Mas em tempos de tanta fragmentação, há casos em que a mediação é apenas o início de uma mudança cultural maior — uma abertura, uma semente plantada. E cabe ao mediador perceber o que aquele momento pede: uma poda precisa ou uma intervenção mais orgânica.

A polarização, por mais desgastante que seja, é também uma oportunidade. Ela nos obriga a aprimorar nossa escuta, refinar nossa presença e aprofundar nossa ética. Afinal, mediar em tempos calmos é uma coisa. Mediar em tempos turbulentos é um outro chamado — mais exigente, mais sutil, mas também mais necessário do que nunca.

Por isso, mais do que dominar técnicas ou métodos, o mediador que atua nesses tempos precisa cultivar um lugar interno de presença, clareza e coragem. Coragem para escutar o que ninguém quer ouvir. Coragem para sustentar o silêncio quando as palavras ferem. Coragem para confiar que, mesmo entre muros ideológicos, ainda há pontes possíveis.

E, às vezes, tudo o que o outro precisa é alguém que segure essa ponte com firmeza, enquanto ele decide atravessar.

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Danilo Miguel
Gestor e mediador de conflitos, professor, palestrante, psicanalista e empreendedor. Diretor do Instituto Mediar, atua na formação de mediadores e na construção de diálogos transformadores. Acredita que mediar é mais do que resolver conflitos - é um chamado para humanizar relações e restaurar conexões.

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