Entre 2020 e 2024, o número de novos processos judiciais relacionados à saúde cresceu 93,4% no Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Somente em 2024, foram mais de 671 mil ações ajuizadas em todo o país, o equivalente a uma nova demanda a cada 47 segundos.
Os dados constam no Painel de Judicialização da Saúde, atualizado anualmente pelo CNJ. Do total, 59,6% das ações têm como alvo o Sistema Único de Saúde (SUS) e 40,4% envolvem planos de saúde privados. As demandas mais frequentes dizem respeito ao fornecimento de medicamentos, tratamentos e internações negadas ou não disponibilizadas em tempo hábil.
Em estados como Goiás, a situação é ainda mais crítica. O número de processos sobre saúde saltou de 5.455 em 2020 para 18.606 em 2024, um crescimento de 241% em apenas quatro anos. Em fevereiro deste ano, o estado registrava 13.433 processos em tramitação e um tempo médio de 326 dias para o julgamento.
Caso emblemático em Goiás
Em meio a esses números, histórias como a de Ana* (nome fictício) ganham relevância. Em 2017, grávida e portadora de trombofilia hereditária, Ana precisou acionar o Judiciário para obter o medicamento Enoxaparina 80mg, essencial para garantir a viabilidade da gestação. Mesmo com decisão liminar, o remédio não foi fornecido pelo Estado de Goiás.
A filha nasceu prematura e faleceu após um dia na UTI neonatal. A mãe moveu nova ação, e em abril de 2025, o Tribunal de Justiça de Goiás determinou que o Estado pagasse indenização de R$ 100 mil e pensão mensal vitalícia, reconhecendo a omissão como causa direta da perda.
Mediação como alternativa viável
Para a advogada e mediadora Dra. Giovana Miguel, diretora do Instituto Mediar, o aumento da judicialização expõe um colapso nas formas tradicionais de resolução de conflitos em saúde.
“Estamos diante de uma falência do diálogo entre pacientes, operadoras e o poder público. A judicialização se tornou a única saída visível para muitos, mas ela é lenta, cara e emocionalmente desgastante”, afirma.
A especialista defende a mediação e a conciliação como instrumentos eficazes para resolver disputas com mais rapidez, menor custo e maior humanização.
“Em vez de aguardar anos por uma sentença, muitas demandas podem ser solucionadas em poucas sessões de mediação. Isso garante agilidade para o paciente e alivia o Judiciário”, explica.
No entanto, segundo Giovana Miguel, ainda há resistência por parte de operadoras de saúde e do próprio poder público.
“Infelizmente, litigar ainda parece mais vantajoso para algumas operadoras. Mas essa lógica é perversa e ineficiente. É urgente ampliar o uso da mediação institucional em saúde, inclusive dentro dos próprios tribunais”, conclui.
Custo social e financeiro
Além das consequências humanas, o crescimento da litigância em saúde traz impactos financeiros expressivos. Somente os processos contra planos de saúde chegaram a 298,9 mil ações em 2024, um salto de 28% em relação ao ano anterior, segundo levantamento da FGV Direito SP com base em dados da ANS e do CNJ. Em São Paulo, sete a cada dez ações na área de saúde envolvem operadoras privadas.
A tendência é de agravamento se não forem adotadas medidas estruturais para fomentar o diálogo prévio, a resolução extrajudicial e a mediação qualificada.